O
professor Walter Sinnott-Armstrong, da Universidade Duke (EUA), fez uma
aposta: se um terço dos alunos que começaram a assistir a suas aulas na
semana passada chegar ao fim do curso, ele vai raspar e doar o cabelo a
uma instituição que faz perucas para pessoas com câncer.
Baixa autoestima? Não. Apenas realismo: o curso do professor tem 166.872
estudantes. As aulas são dadas no site Coursera (coursera.org), que
reúne 207 disciplinas de 33 universidades dos EUA, da Europa, da Ásia e
do Oriente Médio -tudo de graça.
Onde quer que esteja, o aluno precisa só de um computador e de conexão
banda larga. Depois de se cadastrar, assiste às aulas em vídeo, lê
textos e resolve provas. No fim, recebe um certificado.
O Coursera é a maior, mas não a única iniciativa do tipo. Das dez
melhores universidades do mundo segundo o ranking Times Higher
Education, todas têm conteúdo gratuito on-line. Delas, seis têm
disciplinas inteiras.
O site edX.org reúne a Universidade Harvard, o MIT (Instituto de
Tecnologia de Massachusetts), a Universidade da Califórnia em Berkeley e
a Universidade do Texas com esse mesmo propósito.
A ideia de boa educação superior ao alcance de todos ganhou corpo em
2012 com o conceito de Mooc, sigla que em inglês significa "cursos
abertos on-line em massa".
Também entra nesse grupo o iTunes U, iniciativa da Apple que permite
baixar, no iTunes, palestras e seminários universitários, de graça.
Independência
"A principal diferença entre os meus alunos da universidade e os on-line
é a independência", diz Sinnott-Armstrong à Folha, por telefone. "Como
minha disciplina na web possui um fórum, sinto que posso sentar e apenas
vê-los se ajudarem."
Estudioso da epistemologia, ramo da filosofia que investiga a origem e a
natureza do conhecimento, ele oferece a disciplina Pense Novamente:
Como Raciocinar e Argumentar, a maior em número de alunos no Coursera,
lançado em abril.
As universidades americanas não foram as únicas a abrir seus cursos na
internet. Escolher aulas oferecidas por instituições de outras partes do
mundo é, também, uma forma de ter contato com as respectivas culturas.
A Escola Federal Politécnica de Lausanne (França), presente no Coursera, oferece uma disciplina completa no idioma daquele país.
Outro exemplo é a disciplina Uma Nova História para uma Nova China, oferecida em inglês pela Universidade de Hong Kong.
No iTunes U, cinco instituições lusas, incluindo a renomada Universidade
de Coimbra, têm vídeos de palestras e seminários em português.
Exatas X Humanas
Nas maiores plataformas de Mooc que existem atualmente, há prevalência
de cursos das carreiras de exatas. Vários fatores podem explicar esse
fenômeno.
"Estudantes de exatas têm naturalmente mais contato com línguas
estrangeiras", diz Pollyana Mustaro, doutora em educação pela USP. Com
aulas em inglês, estar acostumado ao idioma é essencial, argumenta.
Já Sinnott-Armstrong especula três motivos para haver mais cursos de exatas.
Primeiro, alunos de áreas como ciência da computação estão mais
acostumados ao uso de tecnologia. Segundo, é mais fácil aplicar provas
on-line com respostas mensuráveis que pedir textos ao aluno, situação
comum em humanas.
Terceiro, vários cursos de humanas se baseiam em debates em sala de aula.
Brasileiros são muito presentes nos cursos
De São Paulo
Os alunos do professor Claiton Martins-Ferreira, 44, na UFRGS
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul) aprendem redação acadêmica
com uma professora da Universidade Stanford. Após assistir às aulas da
disciplina Escrevendo em Ciências no Coursera, ele passou a indicá-la a
seus estudantes.
"Escrever mal é um problema recorrente, principalmente entre alunos de
graduação, por isso indico o curso", diz Martins-Ferreira.
Pós-doutorando em biologia, ele fez várias disciplinas relacionadas à
área. "É uma oportunidade para se atualizar."
Segundo os dados mais recentes, divulgados em agosto, o Brasil responde
por 5,9% do total de alunos no Coursera, atrás dos EUA (38,5%) e seguido
pela Índia (5,2%) e pela China (4,1%). Apesar de o Coursera ser a única
plataforma a divulgar suas estatísticas, não é difícil encontrar
brasileiros em outros sites.
Para Pollyana Mustaro, doutora em educação pela USP, a grande presença
reflete a relação que os brasileiros têm com redes sociais. "O país está
sempre entre os que mais usam redes sociais."
Após passar uma temporada no Brasil, na UFMG (Universidade Federal de
Minas Gerais) e na PUC-Rio, o professor Walter Sinnott-Armstrong, da
Universidade Duke, acredita que a procura de brasileiros não se deve a
uma eventual deficiência das universidades daqui. "Ter aulas em inglês
faz diferença", diz. Assim, os alunos treinam o idioma enquanto
aprendem.
Sem diploma
O empresário Felipe Benites Cabral, 30, assistiu às aulas de Introdução à
Psicologia no site da Universidade Yale (oyc.yale.edu).
Sem ter completado um curso superior -largou ciências sociais e
administração-, Cabral não se preocupa em conseguir os diplomas. "Não é
meu foco", afirma. "Prefiro ficar com o conteúdo que com o certificado."
A situação é comum entre os estudantes daqui. Recém-formado em economia
pelo Insper, Gustavo Amarante, 23, também não quis os certificados dos
cursos a que assistiu em Yale.
Enquanto se preparava para os exames de mestrado no Brasil -em janeiro,
vai para a PUC-Rio-, aproveitou para estudar teoria dos jogos e economia
financeira. Assistiu aos cursos completos. "Para entender alguns termos
técnicos, é preciso ver as aulas anteriores", explica.
Além da qualidade, outro motivo que leva alunos brasileiros a fazer cursos grátis on-line é a exclusividade.
Estudante do primeiro ano de marketing no Senac, a paulistana Carolina
Kadix, 33, trabalha com webdesign há 12 anos. Nesse tempo, entretanto,
não encontrou um curso como o que fez por Stanford, de interação entre
computadores e humanos.
"Precisava aprimorar meus conhecimentos, mas não podia ir para outra
cidade", diz ela. "No Brasil, só há algo equivalente em Curitiba."
(Alexandre Aragão)
USP e Unesp são pioneiras em portais similares no país
De São Paulo
Duas iniciativas de universidades paulistas foram as primeiras a
oferecer cursos nos mesmos moldes que as de universidades estrangeiras. A
única diferença diz respeito à emissão de diplomas.
O primeiro desses projetos foi o Unesp Aberta (barnard.ead.unesp.br),
lançado em junho. Nele, é possível assistir a cerca de 300 vídeos
on-line, além de acessar materiais escritos e imagens de diversas
disciplinas completas oferecidas pela universidade.
O site, elaborado pelo NEaD (Núcleo de Educação a Distância) da
instituição, divide os conteúdos por área do conhecimento -humanas,
exatas e biológicas.
O outro projeto que se destaca, lançado no final de agosto, é o portal
de vídeos da USP (eaulas.usp.br), que também possui algumas disciplinas
completas. Assim como a iniciativa da Unesp, oferece busca por
palavras-chave e divisão de acordo com áreas do conhecimento. Também é
possível procurar pelo nome do professor.
A ideia é que, no ano que vem, o sistema seja integrado à base de dados
de buscas das bibliotecas da universidade, fazendo com que os conteúdos
mostrados sejam tanto físicos -livros, periódicos etc.- como digitais.
Atualmente, no portal da USP, a área de humanas, principalmente
pedagogia, é a que tem mais vídeos disponíveis: são 445. Em seguida, vêm
exatas, com 385, e biológicas, com 174.
A aula mais popular é a de Introdução às Derivadas e Integrais, do
professor Vanderlei Bagnato, do Instituto de Física de São Carlos.
A UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) também possui um site de
educação a distância aberto a todos (tvled.egc.ufsc.br). No entanto, a
iniciativa não oferece disciplinas inteiras e nem tem busca por assunto.
(AA)
Top 10, de graça
Cursos on-line das melhores universidades do ranking Times Higher Education (2012-13)
Caltech
Oferece três disciplinas, entre elas Princípios de Economia para Cientistas
coursera.org
Universidade Stanford
Presente em quatro plataformas, reúne seus 22 cursos em um site próprio
online.stanford.edu/courses
Universidade de Oxford
Tem cerca de 2.000 arquivos, entre áudio e vídeo, disponíveis no app da Apple
iTunes U
Universidade Harvard
Um curso de ciência da computação e outro sobre pesquisa na área médica
edX.org
Instituto de Tecnologia de Massachusetts
Primeira instituição do edX, tem três cursos, todos de carreiras de exatas
edX.org
Universidade Princeton
Ao todo, oferece nove disciplinas completas, como Introdução à Sociologia
coursera.org
Universidade de Cambridge
Possui 50 palestras e seminários on-line, destaque para os da área de direito
iTunes U
Imperial College
Vídeos de sete carreiras, incluindo engenharia, matemática e administração
iTunes U
Universidade da Califórnia em Berkeley
Possui quatro cursos on-line: três sobre tópicos de computação e um sobre robótica
edX.org
Universidade de Chicago
Boa variedade nas áreas de humanas, principalmente filosofia e ciência política
iTunes U
*Todas as universidades da lista têm conteúdo no iTunes U, plataforma da Apple com vídeos de seminários e palestras
|