terça-feira, 7 de setembro de 2010

As redes sociais na escola

Como professores e alunos estão usando Orkut, Twitter, Facebook, MSN e blogs na sala de aula?

O estudante põe os livros de lado e dá uma escapada para ver os recados do Orkut, as novidades do Twitter, os últimos vídeos do YouTube... E aí a concentração já era. É por isso que professores se queixam de ter que disputar a atenção dos jovens com o descompromisso das redes sociais. Alguns educadores, porém, decidiram usar esses sites a seu favor. Eles perceberam que os recursos podem ajudar, e muito, no processo de aprendizagem.

No Brasil, o professor está começando a olhar as redes como ambientes virtuais que oferecem muitas formas de interação e estimulam o contato com a diversidade sociocultural, acredita Sônia Bertocchi, capacitadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). As iniciativas ainda são acanhadas. Poucos experimentam, por exemplo, mediar um debate on-line sobre um assunto determinado. Eles estão engatinhando no uso da tecnologia na educação, e o das redes, então, é menos explorado ainda, diz a pesquisadora Luciana Maria Allan, diretora do instituto Crescer para a Cidadania. Segundo ela, falta formação específica para a área, tanto no setor público quanto no privado. Os professores têm que se familiarizar com a tecnologia e, depois, saber usar para finas educacionais, o que é outra história.`

Os educadores que tentam manejar as redes, em geral, agem por conta própria, sem que sejam incentivados pela escola. O comum são ações isoladas, confirma Sônia, que também é gestora da rede social Minha Terra, criada em 2007 com fins puramente educacionais. Gerida pelo Cenpec em parceria com o Ministério da Educação (MEC), a rede conta com mais de 9 mil alunos e professores inscritos, quase todos de escolas públicas sediadas em 24 estados. No portal, que incorpora Twitter e YouTube, é possível criar comunidades e blogs, participar de fóruns de discussão e partilhar imagens e textos. Os educadores devem perder o preconceito de que as redes e outras ferramentas da Web 2.0 são inimigas do processo educativo, defende outro gestor da Minha Terra, Claudemir Viana. Muitos deles são acomodados e usam a desculpa de que essas tecnologias fazem a escola perder a razão de ser, mas é o contrário. O bom uso delas depende da mediação do educador, complementa.

A aula não para

Os alunos matriculados na disciplina "computadores na educação", da Faculdade de Educação (FE) da Universidade de Brasília (UnB), usam um blog e uma comunidade no Orkut para discutir, indicar textos e divulgar vídeos hospedados no YouTube. A mediação é feita pelo professor Gilberto Lacerda. Eu organizo a disciplina de modo que eles dominem esses recursos, ressalta. Crio intertextos e obrigo os alunos a transitarem de uma rede para outra, o que dinamiza a relação educativa. Gilberto acredita que os currículos acadêmicos estão se adaptando. “Não somente na UnB, mas nas faculdades Brasil afora, há uma crescente preocupação com esse tipo de formação no uso da tecnologia.

Um de seus aprendizes, Pedro Nascimento, 23 anos, afirma que a disciplina ocorre a todo tempo no mundo virtual. De madrugada você pode ir lá e postar um comentário”, explica. Ele diz que acessa seu perfil no Orkut cerca de seis vezes por dia, mesma frequência da colega Patrícia Ruas, 22 anos. A gente aprende a ver as redes com outros olhos, revela a moça. O problema é que tem gente que só usa o Orkut para fazer amigo, arrumar namorado. Em um fórum de discussão, você pode encontrar gente mais experiente, que pode te indicar um livro, uma monografia, acrescenta o rapaz.

Informalidade na relação entre professor e aluno

A internet é algo recorrente na vida dos alunos. A gente tem que mergulhar nesse mundo também, afirma o professor de biologia Marcelo Lasneaux, do colégio Galois. Ele mantém um blog no qual publica textos relacionados à sua disciplina e ancora uma página com os slides usados nas aulas. Também tem um espaço para enquete. Praticamente todo dia eu tenho resposta. Os alunos escrevem comentários, dúvidas, destaca. Marcelo também é seguido pelo Twitter, no qual divulga datas de provas e notícias relevantes publicadas na imprensa. Ele evita contatar os estudantes pelo Orkut. Ele está totalmente desacreditado, do ponto de vista educacional, justifica. É uma coisa que trouxe muitos problemas, como rixas entre os alunos, cyberbullying. E tem essa história dos fakes (perfis falsos), que eles inventam, usam o nome de outra pessoa, observa.

Em sua preparação para o vestibular, Gustavo Dias, 18 anos, aproveita a iniciativa do professor Marcelo. O blog facilita o estudo. Às vezes, ele passa um conteúdo que não entendi muito bem, aí em casa eu baixo os slides e reviso. Apesar disso, suas pesquisas pela internet não rendem muito. Eu me desconcentro, fico acessando outros sites que não têm nada a ver, admite. Ele também não costuma recorrer ao Orkut. É uma coisa que me distrai demais. É raro você ver gente que o utiliza para pesquisa, é um recurso que podia ser mais bem trabalhado. Mesmo assim, Gustavo aprova o uso das redes sociais. A relação com o professor fica mais próxima, não se dá somente no tempo da aula. Às vezes uma pessoa meio tímida se sente à vontade para fazer perguntas que não faria em sala, afirma. Pedro, aluno de Gilberto Lacerda, concorda: Por ser um meio mais informal, dá segurança ao aluno, que vê o professor como alguém que quer construir conhecimento com ele e em prol dele.

Educar para a cultura digital

O pesquisador Lúcio França, também da FE da UnB, coordenou a criação de uma espécie de YouTube dedicado exclusivamente à atividade educacional. O site, batizado de Proeja Transiarte Tube, foi desenvolvido em parceria com a Universidade Federal de Goiás e teve financiamento do MEC. O portal inclui o compartilhamento de gravações em áudio, documentos e fotos. A vantagem de criar nosso próprio site é que nele só podem ser publicados arquivos de caráter educacional, afirma França. A rede é utilizada apenas por alunos do programa de Educação de Jovens e Adultos de uma escola da Ceilândia, mas está aberta a qualquer pessoa ou instituição que queira se cadastrar. Há muito conhecimento espalhado pelas redes sociais. Você pode encontrar pessoas com os mesmos interesses intelectuais, opina o pesquisador, ao ressaltar que o uso de redes sociais no processo educacional é hoje quase uma necessidade. Os educadores ainda estão lentos para perceber essa importância porque foram educados com base no papel. Muitos resistem, lamenta.

Preocupadas com a segurança de seus alunos, algumas escolas preferem criar redes internas para poder controlar as informações publicadas e evitar que sejam vistas por qualquer um. "Não concordo. É a mesma coisa que ter um filho e não deixá-lo ir à rua porque pode ser atropelado, pego por um pedófilo", argumenta Sonia Bertocchi, capacitadora do Cenpec. "Temos que ensinar o jovem a estar na internet, passar conceitos de responsabilidade e privacidade. Cabe à escola educar para a cultura digital", defende. A estratégia de uso da rede deve ser bem planejada pelo educador. “Dá para tirar proveito de qualquer ferramenta, desde que se saiba do que o grupo precisa e quais recursos são mais adequados para atingir suas finalidades", explica Luciana Maria Allan, do instituto Crescer para a Cidadania. "O professor precisa estimular o aluno a pesquisar e refletir. O importante é não só entulhar o espaço virtual de material, mas criar um ambiente de permanente debate."

Seu professor deve utilizar as redes sociais como ferramentas de aprendizagem?

Eu acho muito mais legal quando a disciplina agrega essas tecnologias. A gente está acostumada com aquela aula chata, o professor lá na frente, falando. Acaba que todas as aulas ficam iguais, o aluno perde o interesse. É bom quando surge algo diferente. Nunca tive um professor que usasse as redes sociais nesse sentido educacional, para promover discussões... O aprendizado seria mais dinâmico. Normalmente, quando a gente entra nas redes é para se distrair mesmo, não para ver coisas relacionadas a estudo. Eu mesmo nunca usei para pesquisar nem nada assim. Mas talvez desse certo: as pessoas acessam muito as redes e de vez em quando poderiam entrar no que o professor pedisse. A relação entre ele e a gente ficaria mais informal, já que a gente usa na internet uma linguagem mais solta. Eu uso muito o Orkut também para perguntar para os meus amigos coisas de escola, tirar dúvida sobre alguma matéria. Se tivesse um professor (na rede), seria mais legal.

O melhor tipo de aula é aquela em que o professor se expressa bem e os alunos são realmente interessados na matéria. O diferencial é sempre o educador em sala de aula. Porém, essas ferramentas virtuais, como as redes sociais, são meios de chamar mais os estudantes. O problema é que as redes são mais usadas para conversar futilidades, os jovens teriam resistência a vê-las como instrumentos de educação. Existem comunidades no Orkut, por exemplo, que se preocupam com o debate intelectual, mas elas são minoria. Aqui na universidade, eu tive um professor que criou uma comunidade para a disciplina dele, mas quase nenhum aluno entrou. Ele também fez um blog, só que a gente não utilizava, faltou interatividade. O hábito até poderia ajudar: a pessoa que tem o costume de acessar determinada rede, que já tem familiaridade com ela, também poderia passar a usá-la para discutir temas relevantes, indicar leituras, se fosse orientada por um professor. Para que isso acontecesse, a relação ent re professor e aluno teria que ser mais íntima e informal. Com o tipo de professor que gosta de manter uma relação hierárquica com os alunos, a utilização das redes seria infrutífera.

Fonte: Correio Braziliense - DF

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